terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Um diva chamada Lya Luft

"ARTE DA CELEBRAÇÃO ”

A passagem do ano não deveria pedir projetos ( e posteriores remorsos) , mais projetos ( e mais futuros arrependimentos ) , e sim , abrir a portinhola de algum alívio , alguma alegria . Mas talvez a gente goste de sofrer . Lembrei-me agora da deliciosa historinha do monge muito velho , quase centenário , que num remoto mosteiro pede a um monge bem moço que o ajude mais uma vez a ir à biblioteca que guarda preciosos alfarrábios . pela última vez , ele quer folhear uma enciclopédia ou ecíclica papal , algo assim – a princípio – , o moço não entende direito . O jovem monge instala , então o velhíssimo velhinho junto a uma mesa imensa , tudo lá é muito grande e muito antigo . mesa de carvalho , claro . É um aposento secreto no fundo da biblioteca , onde só os monges iniciados entram . O rapaz consegue o livrão , coloca-o na mesa diante do velhíssimo velhinho e sai, dizendo : ” Qualquer coisa , toque esta sineta que eu venho acudí-lo ” .
Passa-se o tempo , o jovem monge se distrai com seus afazeres , até que se lembra : e o ancião , como estará ? Preocupa-se com o longo silêncio – será que ele morreu ? Corre até o fundo da biblioteca , até a sala secreta , e encontra o velho monge batendo repetidamente a cabeça no tampo da mesa .
– Mestre , o que houve ? O senhor vai se machucar !
O monge centenário chora e repete certas palavras que o moço custa a entender :
– Imagine , imagine ! A palavra de ordem , a recomendação , a essência , não era ” celibate ” , mas ” celebrate ” !
Lógicamente , em inglês a coisa tem mais graça , mas mesmo quem lê aqui há de entender : desperdiçamos tempo , vida e energia sofrendo por bobagens , arruinando as alegrias , ignorando afetos , trabalhando mais do que seria necessário para a nossa dignidade , curtindo mais o negativo do que o positivo , quando afinal a ordem divina metafórica é que não precisamos fazer o sacrifício do celibato , mas celebrar a vida . Pessoalmente , sempre acreditei que a melhor homenagem que que se faz a uma divindade , se nela acreditamos , é celebrar – respeitando , amando , curtindo , cuidando – a vida , natureza , a arte , o enigma de tudo .
Mas nós , humanos , nem sempre espertos ( embora a gente se ache , e muito ) , em vez de celebrar a passagem de ano , passamos boa parte dela nos enrolando . As providências excessivas , as compras , as comidas , as dívidas em dezenas de prestações … os planos . Mas para que planos , quando o melhor é ter só um ? Ser mais feliz , mais alegre , mais amoroso , mais honrado , mais pacífico . Mas a gente coloca aspectos prosaicos da vida acima de tudo : perder 10 quilos , tratar melhor a sogra , ser menos puxa-saco da sogra , da cunhada , da nora , do patrão . Ganhar mais dinheiro , o que nem sempre representa a conquista da felicidade ou algo que o valha , e por aí vai .
Para um lado ou outro , para o sim ou para o não , nessa hora nos enchemos de preocupações , acumulamos propósitos , e nos amarguramos porque quase todos aqueles objetivos elencados na passagem do ano passado não foram cumpridos ( e ainda por cima a gente sabia que ia ser assim ) .
E daí ? E daí que poderíamos aproveitar o momento para pensar no que realmente vale a pena . E o que vale a pena , não importam a biografia ou a latitude , é celebrar . Para tanto , basta que sejamos , em casa , no trabalho , na escola um pouquinho mais agradáveis e menos tensos . E que , pelo menos , isso se manifeste na forma de um abraço vindo do fundo mais fundo do mais cansado – mas ainda amoroso e celebrante – coração .